.:Enxaquecas da K471:.
Dói, mas não cansa!
4.10.05
In memorium (5/5/2004)
OUVI ALGUÉM PARTIR DE MIM
ouvi há instantes de pele crescendo alguém partir
de mim suavemente nas asas de uma sombra obscura e leve
fiquei parado dentro do sangue bombeado a espaços
aguardando um indício uma mensagem um apito
de comboio intravenoso que indique o destino da viagem
acabada de se dar numa carruagem de pensamentos
um coração batia algures confundindo-se com algo escondido
nas montanhas arrepiadas de meu peito e surpreendia
pela sua perseverante continuidade tam-tam indígena e persistente
a dúvida era saber quem buscava a sina distante
e quem ficava para trás prisioneiro do corpo e da vida
exactamente no lugar sem fronteira onde as coisas fazem sentido
tronco de árvore onde não importa a cor da seiva
não é preciso cruzar a terra devastar florestas inventar
horizontes e apagar as chamas das noites brancas
para semear o algodão agreste dos tempos antigos
partimos aos poucos e escutamos a caminhada por dentro
dos ossos no conjunto das artérias no enlace das veias
partimos aos poucos para lugar nenhum onde não há ninguém
à espera nem apetece depois regressar cansados da aventura
partimos aos poucos como partem os vagabundos as aves
os soldados os poetas ou apenas os amigos
e acordamos amanhã devagar com o cheiro de outra loucura
José António Gonçalves (in "ARTE MÁGICA", Ilha 3, ed. Câmara Municipal do Funchal, 1991)
Dor sentida pela K471 @ 23:38
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