OUVI ALGUÉM PARTIR DE MIM ouvi há instantes de pele crescendo alguém partir de mim suavemente nas asas de uma sombra obscura e leve fiquei parado dentro do sangue bombeado a espaços aguardando um indício uma mensagem um apito de comboio intravenoso que indique o destino da viagem acabada de se dar numa carruagem de pensamentos um coração batia algures confundindo-se com algo escondido nas montanhas arrepiadas de meu peito e surpreendia pela sua perseverante continuidade tam-tam indígena e persistente a dúvida era saber quem buscava a sina distante e quem ficava para trás prisioneiro do corpo e da vida exactamente no lugar sem fronteira onde as coisas fazem sentido tronco de árvore onde não importa a cor da seiva não é preciso cruzar a terra devastar florestas inventar horizontes e apagar as chamas das noites brancas para semear o algodão agreste dos tempos antigos partimos aos poucos e escutamos a caminhada por dentro dos ossos no conjunto das artérias no enlace das veias partimos aos poucos para lugar nenhum onde não há ninguém à espera nem apetece depois regressar cansados da aventura partimos aos poucos como partem os vagabundos as aves os soldados os poetas ou apenas os amigos e acordamos amanhã devagar com o cheiro de outra loucura José António Gonçalves (in "ARTE MÁGICA", Ilha 3, ed. Câmara Municipal do Funchal, 1991) |
Não tem vírgulas, e daí? Ehehe