Tirado hoje do Dn local. Está demais!!!! Apesar do gozo da gente da minha terra, o que importa é que dá para dar algumas gargalhadas!!! _________________________ «Será que isso é verdade?» Dona Serafina cruza os braços e olha desconfiada quando lhe falamos da gripe das aves. Ali, no sítio do Espigão, o alcatrão é novo e a televisão um mundo onde se misturam novelas e notícias. Todas vistas com a mesma crença ou desconfiança. «Ainda ontem foi o funeral daquele velhinho da novela. Mas penso que aquilo é tudo mentira» , diz Florinda enquanto percorre o espaço entre o galinheiro e a casa onde vive. É assim: tudo pode ser mentira ou verdade. Não se sabe ao certo. Na era da globalização até mesmo no distante Espigão a gripe das aves é assunto de conversa, mas a importância que se lhe atribui não é muita. As galinhas não são um bicho estranho que se vende às partes dentro de embalagens assépticas no supermercado, divididas em coxas, pescoços, peitos, moelas e fígados. Muito pelo contrário. São compradas ainda pintos e tratadas com todo o esmero e dedicação. Uma ou outra acaba por morrer. Os antigos dizem que as galinhas «estalam» com o calor do Verão. A vida e a morte são ali encaradas com normalidade. Animais e pessoas travam, em conjunto, uma luta por um quotidiano nem sempre fácil. A morte é a certeza que se encara com a mesma força com que se enfrenta as dificuldades. Gente e bichos morrem. Agostinha sabe de tudo isto. Uma das suas galinhas morreu na semana em que lá estivemos. E até uma «cadelinha», que lhe tinham dado para tratar, teve o mesmo destino. «Deram-me o bicho e disseram-me que comia de tudo. E comeu veneno». conta. Para trás ficaram dois cachorros ainda de olhos fechados. Têm sido alimentados a leite que comprou no supermercado da Ribeira Brava. E, no jogo incerto da vida, estão vivos contra todas as probabilidades, e muito à custa da dedicação que as pessoas do campo têm aos seus animais. As galinhas compram-se para matar. Há que garantir a mesa todos os dias. Mas até ao fim são tratadas com todos os cuidados. Serafina diz que a irmã de Agostinha «muda as fraldas às galinhas». Não literalmente, é claro, mas a verdade é que todos os dias coloca papel no fundo do galinheiro e muda sempre que está sujo. «É uma trabalheira». São meses e meses a cuidar dos bichos, ali mesmo à porta de casa. Por isso, é claro que não têm medo de comer a carne, nem os ovos. As galinhas de casa são de confiança, mas já olham com outros olhos para a carne do supermercado. «Não é tão gostosa». Isto também sabe Florinda que nos levou até ao galinheiro, onde cuida de várias galinhas e de um porco já a reclamar por comida, quando o relógio bate quase as três da tarde. «Há uma "molesta" nas galinhas lá fora em Lisboa». Florinda viu a na televisão. Mas isso é lá longe. Nada que lhe diga muito respeito. Gosta de tratar das galinhas em casa, porque depois sabe o que está a matar», realça, enquanto coita com carinho a galinha que tem ao colo. A gripe das aves também é coisa que não preocupa José Faria Gonçalves. De foice ao ombro, diz que «não percebe que as frangas que tem no galinheiro estejam doentes». É claro que de vez em quando morrem. Toda a vida teve galinhas, toda a vida cresceram, e toda a vida «azoigaram». A gripe das aves não lhe tira o sono. «Ainda na semana passada morreu-me uma franga, começou-lhe a cair as penas e "azoigou"». É ele próprio quem cuida do galinheiro. Além de milho em grão e da ração, as galinhas comem um pouco de tudo. «Comprei-lhes uma dentuça», ironiza. Também na Lombada, Ponta do Sol, a gripe das aves não mete medo. Um jovem resume a coisa em poucas palavras: «Galinhas? Quando estão doentes estalam e pronto. Vão pelos pinheiros abaixo». É esta a naturalidade de quem vive perto da natureza, e olha para os conselhos dados na televisão e nos jornais com alguma incredulidade. Até porque «hoje em dia morre-se pelo que se come, pelo que se bebe, e «até por fazer sexo». Dona Arminda está no quintal, mas não resiste a descer e a perguntar o que estamos por ali a fazer. «São da agricultura? Um dia vieram aí, escreveram umas coisas nuns papéis mas nunca mais apareceram». Mas nós não éramos da agricultura. Queríamos saber o que pensava da gripe das aves. Arminda encolhe os ombros, olha para o fim da estrada e dispara: «Então agora vão vacinar as galinhas?». A possibilidade parece-lhe tão estúpida quanto pensar que vamos ser eternos. «Eu sei que vou morrer um dia, com vacinas ou sem vacinas». Depois, ainda há o caso da vizinha que se foi vacinar contra a gripe e que ficou pior. Andou dias a queixar-se. O melhor mesmo é ficar quieta. O que é preciso é trabalhar, porque quem não o faz, não come. E, quanto às galinhas, vão continuar a morrer somo sempre aconteceu. Das mais variadas razões. «Há semana passada apareceu aí um "perro" e matou cinco de uma só vez». As senhoras Deolinda e Rosa também não estão a pensar deixar de comer carne de frango. «Ainda hoje comi um ovo cozidinho», diz uma delas. Gripe? Também os humanos apanham, e daí não vem mal nenhum ao mundo. Se no Funchal têm medo de comer, podem comprar «e mandar para a Ponta do Sol que ninguém recusa». Irene Inácio tem galinhas e patos, e não tem a mínima preocupação com a gripe das aves. «Tenho é medo das pessoas que são falsas. Aquelas que ouvem um dedo de conversa e contam um braço». Esse é o seu receio. O resto acha que é tudo mentira, e diz que também já inventaram doenças para vacas e porcos. Para demonstrar que nada teme, entra no galinheiro, chama uma das «queridas», traz para o colo, vira-na ao contrário e mete o dedo para ver se tem ovo. Alguém falou na gripe das aves? |
Hoje levaste um, de meio campo!